Thursday, September 14, 2006

Resumo conjectural da evolução urbana

A ausência actual de dados fiáveis permite apenas expôr uma descrição conjectural da evolução ur­ba­nís­tica de Bal­­sa, combinando a história regional com a cronologia dos ves­tígios es­tu­da­dos, os dados só­cio-políticos extraídos da epi­­grafia, as características urbanas reveladas pela topografia e o paralelismo com cidades mais bem conhecidas.

67 - 31 a. C.

Desconhece-se se o morro do porto já seria ocupado por um povoado tur­detano, dependente do Cerro do Cavaco. As condições portuárias e de­fensivas apontam nesse sentido. A emissão de moedas balsenses na época da "monarquia naval" pompeiana, iniciada após a Guerra dos Piratas de 67 a. C., mostra que o sítio já tinha então sido escolhido pelos romanos, como lugar central dos balsenses.

Poderá ter mantido nessa altura uma guar­nição romana, enquanto porto estratégico de uma força au­xi­li­ar aliada, detentora de poderio naval. Poderá também ter sido um sí­tio de as­sentamento de ex-piratas sub­me­ti­dos por Pompeu, tal como se sabe ter acontecido no Mediterrâneo Oriental.

Os vestígios de um fosso, obliterado posteriormente pela pla­taforma do fórum, indiciam a existência inicial, ou de um fortim mi­litar (castellum), ou de uma acrópole indígena, separada do povoado. As dragagens efectuadas em fren­te do local parecem ter revelado muros perpendiculares à costa, com­patíveis com um porto de canal resguardado por mo­lhes.

31 a. C. a finais do séc. I d. C

Na fase estipendiária da cidade o carácter romano da estrutura urbana se­ria incipiente. Ter-se-ia um povoado de cume, provavelmente já sem muralhas, prolongando-se pelas encostas a Sul e com a antiga acrópole ou fortim transformado em fórum cí­vico da comunidade. A fábrica de salga e as termas já existiriam, no arrabalde o­rien­tal.

A partir de Cláudio e da anexação da Mauritânia em 42 d. C., o crescimento da ac­ti­vidade marítima e o padrão de monumentalização da Época, após o grande sismo então ocorrido, devem ter acelerado o desenvolvimento das estruturas por­tuá­rias comerciais e a ro­ma­ni­zação das estruturas urbanas pré-existentes.

Fim séc. I d. C. e séc. II
O maior crescimento urbano ter-se-á iniciado no reinado de Domiciano (81 a 96 d. C.), como consequência da concessão do direito latino. Será então que a cidade adquire a sua lei municipal e se procede à criação de to­­da uma cidade nova, traçada em moldes plenamente romanos. Esta de­­veria con­gre­gar a nova comunidade latina, justapondo-a à antiga ci­­dade indígena (pe­re­gri­na, isto é, não ro­ma­na). Será um exemplo de dipolis, ou seja, uma cidade dupla for­­mada pela u­nião de duas comunidades.

A grande influência estrangeira notada em Balsa (nomeadamente nor­te-africana, mas também grega) poderá dever-se, em grande parte, aos “co­lonos” imigrados nesta conjuntura para usufruírem do direito la­tino em Balsa. A lei municipal terá regido a di­visão cadastral da terra, cujos vestígios são nu­me­ro­sos.

A mu­ni­ci­pa­li­zação latina seria assim levada a cabo segundo moldes co­lo­ni­ais, pre­­via­men­te utilizados na Gália e, pos­te­ri­ormente, em África. Os elementos edificados já identificados devem proceder desta É­­poca, com provável excepção do circo Oriental. O fórum pri­mitivo as­­­socia-se à epigrafia cívica conhecida e o novo fórum à única re­fe­rên­­cia epigráfica ao culto imperial. É provável que o pri­meiro tenha con­tinuado como centro cívico da civitas enquanto que o segundo terá servido de sede às manifestações desse culto, igual­men­te associado ao teatro, de modo semelhante ao que parece ter sucedido em Italica com o cham­ado Traianeum.

Datará desta época o sistema de abastecimento urbano de água, com uma represa no local da actual praça da Luz de Ta­vi­ra. Daqui partiria um aqueduto, cujas marcas topográficas indiciam ter-se dividido em três ou cinco ramais, para os fóruns velho e novo, para as termas e para as duas fábricas de salga. A nascente identifica-se uma pla­taforma elevada, terminada num pa­redão semicircular, onde pode ter e­xis­ti­do um templo de modelo africano, como os de Thugga (na Tunísia actual), dedicado a Saturno ou a Caelestis.

O lugar de achamento das lápides de doação do pódio do circo é com­pa­tível com a sua localização sobre a ilha-barreira então existente.

Séc. IV em diante
O abandono da fábrica de salgas da Torre d'Aires (e de uma casa próxima, transformada em concheiro/ vazadouro) na primeira metade do séc. III e as colunas e capitéis achados tombados per­mi­tem estabelecer um paralelo com Baelo, su­ge­rindo que Balsa terá também sofrido com os grandes sismos ocorridos nesta época. É provável que os e­di­fícios monumentais não voltassem a ser re­cons­truí­dos e que o porto tenha sofrido graves destruições, assim co­mo o provável circo litoral.

Só na 2ª metade do séc. III se reactiva a fábrica de sal­gas. Nesta altura é já pouco provável que os curiais (no­táveis) de Balsa ainda residissem no centro urbano. Este deve ter permanecido como centro fiscal e cívico e o hipódromo do Arroio poderá ser deste período.

O mai­or desenvolvimento da indústria de conservas e as­so­ciadas decorrerá nesta fase, multiplicando-se as ce­tá­rias por toda a orla ribeirinha, inclusive sobre antigas áreas urbanizadas e portuárias desactivadas.

No séc. IV Balsa deverá ter acompanhado a ruína ob­ser­­vada em Gades e Baelo, permanecendo pro­va­vel­men­te apenas como sede de circunscrição fiscal do seu am­­plo território. A actividade de navegação de longo cur­­so devia então já concentrar-se em Ossonoba. Durante o Baixo Império, ou posteriormente, formou-se a necrópole das Antas, sobre zonas previamente urbanizadas. Pode corresponder a uma fase de renucleação do habitat, pós-urbana, cujos centros mais prováveis seriam as zonas dos antigos fóruns.

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