Monday, October 11, 2010

Cadastro Romano de Balsa

 The Roman Cadastre of Balsa (Lusitania). Empirical evidence and gromatic interpretation

Extractos de conteúdos de palestras

Introdução


Cadastro do território

O cadastro romano dos territórios rurais pertencentes às comunidades urbanas com autonomia municipal (colónias, municípios e equiparadas) foi um instrumento essencial de ordenamento jurídico do solo; de definição dos limites do território da comunidade; de demarcação das parcelas de propriedade; e de arrolamento exaustivo destas para fins fiscais e de registo de direitos prediais.

O modelo geral de ordenamento tinha o seu centro na cidade e definia zonas concêntricas progressivamente afastadas, terminando no limite do território urbano.




Centuriações

O modo mais característico de parcelamento cadastral romano foi o das centuriações, especificamente adaptado a campos de cultivo. A centuriação dividia um território numa quadrícula ortogonal de parcelas rectangulares designadas como centúrias. Cada centúria tinha dimensões constantes e separava-se das centúrias vizinhas por "limites": caminhos rectilíneos idealmente escavados e murados, idênticos às veredas com valados que ainda se encontram em numerosos sítios do Algarve.

Dois eixos correspondentes a limites especiais formavam as origens do sistema de centuriação, orientado para Poente. As centúrias identificavam-se segundo a linha que ocupavam à esquerda (sinistra) (isto é, a Sul) ou à direita (dextra) (isto é, a Norte) do eixo horizontal Este-Oeste (decumanus maximus) e a coluna "para lá" (ultra) (isto é, a Poente) ou "para cá" (citra) (isto é, a Nascente) do eixo vertical Norte-Sul (kardus maximus).

Nos cantos de cada centúria ou nos cruzamentos dos limites dispunham-se marcos e outras estruturas que identificavam a quadrícula segundo a linha e a coluna que ocupava no quadriculado geral.

As centúrias não correspondiam a prédios/propriedades mas a lotes regulares onde estas se estabeleciam. Uma centúria podia conter vários prédios pertencentes a proprietários diferentes e um proprietário podia possuir vários prédios em centúrias diferentes.

De facto, a distribuições de terras fazia-se por sorteio de lotes, que se podiam distribuir por várias centúrias, mas não era igualitária. Distinguiam-se os lotes: da plebe comum (romanos e não romanos); da plebe favorecida (veteranos em assentamentos civis, oficiais e similares); e da aristocracia municipal, em que se destacavam os familiares ou representantes do fundador da colónia ou responsável pela divisão territorial, que era ou um alto dignitário ou alguém da própria família imperial.

Do ponto de vista social agrário, a realização de centuriações correspondia a uma reforma agrária radical, com uma redefinição e redistribuição total das melhores terras com potencialidade agrícola (nomeadamente para culturas arvenses e hortícolas e a melhor parte dos pomares, olivais e vinhas).

Uma finalidade imediata das centuriações era a de fomentarem a multiplicação de pequenas explorações agrícolas familiares e semi-familiares nos arredores das cidades, no sentido de garantir a sua auto-subsistência agrícola a partir da exploração intensiva dos terrenos mais produtivos. Tiveram como consequência secundária a multiplicação de casas de campo, na sua esmagadora maioria associadas às actividades agrícolas.

A centuriação estabelecia-se aquando de uma fundação ou refundação das comunidades urbanas segundo um modelo colonial especificamente romano, desenvolvido originalmente para a ocupação e distribuição de terras por veteranos militares em territórios conquistados. Este modelo aplicou-se também a territórios expropriados ou comprados para o efeito pelo Estado.

Já em províncias pacificadas há exemplos de centuriações mais tardias, levadas a cabo com o apoio das aristocracias municipais locais, no sentido de promoverem as suas comunidades e a si próprias no quadro da municipalização de Direito Latino. É este - tanto quanto se sabe - o caso de Balsa.

Deve notar-se que a centuriação deixava de fora largos tractos de propriedades imunes mais afastadas das cidades. Uma grande parte ou a maioria dos bens fundiários das aristocracias locais e de investidores romanos ultramarinos localizar-se-ia aí, sem estarem submetidos às rigorosas leis que regiam a propriedade e a exploração das parcelas centuriadas. Era também nestas zonas exteriores à pertica centuriada que permaneciam os núcleos de propriedades de agrupamentos indígenas (pagi) que mantinham uma maior ou menor autonomia de parcelamento agrário e de regimes de exploração da terra.




Sobrevivência dos cadastros romanos

A sobrevivência de vestígios de centuriações manifesta-se na regularidade ortogonal de caminhos e limites de propriedade actuais, afastados entre si segundo uma métrica romana específica, distinta da dos cadastros posteriores.
Esses caminhos e limites modernos formam troços que correspondem: ou a segmentos de limites fósseis; ou à irregularização milenária desses limites que podem ser reconstituídos por regressão linear dos eixos modernos; ou ainda ao efeito de "eco ortogonal" do parcelário cadastral posterior, que tende a dispor-se mais frequentemente com orientações paralelas ou perpendiculares aos limites previamente existentes.
Os vestígios só sobrevivem em zonas que não sofreram reorganizações cadastrais radicais posteriores. Mantêm-se melhor em zonas que permaneceram semi-abandonadas durante séculos e em que os limites antigos se mantiveram na infraestrutura de acessos modernos. Foi o caso da zona suburbana de Balsa.

Cadastro de Balsa


Em Vasco Mantas, "As cidades marítimas da Lusitânia" in Les villes de Lusitanie romaine, Paris: CNRS, 1990 pp.149-205
Vasco Gil Mantas foi o primeiro a identificar os vestígios do cadastro romano de Balsa, a partir da leitura da cartografia militar.
Em 2003 retomei essa investigação, a partir da análise numérica do cadastro rústico digitalizado de todo o litoral do Sotavento algarvio. As figuras seguintes sumarizam alguns resultados desse trabalho.

Mapa actual
Sobreposição do Cadastro actual
Filtragem dos elementos topográficos do cadastro romano. Eco ortogonal e ajustamento linear segundo as orientações ortogonais dominantes. Identificação de três zonas com orientações distintas, duas delas (Balsa e Cacela) com módulos métricos ronanos.

Caracterização do cadastro de Balsa segundo a tipologia dos tratados de Agrimensura romanos: Ager Centuriatus; Ratio Proxima; Limites Maritimi




Cadastros romanos entre Balsa e Baesuris (PDF vectorial)

Bibliografia fundamental

A incluir, se houver interesse.


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