Thursday, September 14, 2006

Resumo conjectural da evolução urbana

A ausência actual de dados fiáveis permite apenas expôr uma descrição conjectural da evolução ur­ba­nís­tica de Bal­­sa, combinando a história regional com a cronologia dos ves­tígios es­tu­da­dos, os dados só­cio-políticos extraídos da epi­­grafia, as características urbanas reveladas pela topografia e o paralelismo com cidades mais bem conhecidas.

67 - 31 a. C.

Desconhece-se se o morro do porto já seria ocupado por um povoado tur­detano, dependente do Cerro do Cavaco. As condições portuárias e de­fensivas apontam nesse sentido. A emissão de moedas balsenses na época da "monarquia naval" pompeiana, iniciada após a Guerra dos Piratas de 67 a. C., mostra que o sítio já tinha então sido escolhido pelos romanos, como lugar central dos balsenses.

Poderá ter mantido nessa altura uma guar­nição romana, enquanto porto estratégico de uma força au­xi­li­ar aliada, detentora de poderio naval. Poderá também ter sido um sí­tio de as­sentamento de ex-piratas sub­me­ti­dos por Pompeu, tal como se sabe ter acontecido no Mediterrâneo Oriental.

Os vestígios de um fosso, obliterado posteriormente pela pla­taforma do fórum, indiciam a existência inicial, ou de um fortim mi­litar (castellum), ou de uma acrópole indígena, separada do povoado. As dragagens efectuadas em fren­te do local parecem ter revelado muros perpendiculares à costa, com­patíveis com um porto de canal resguardado por mo­lhes.

31 a. C. a finais do séc. I d. C

Na fase estipendiária da cidade o carácter romano da estrutura urbana se­ria incipiente. Ter-se-ia um povoado de cume, provavelmente já sem muralhas, prolongando-se pelas encostas a Sul e com a antiga acrópole ou fortim transformado em fórum cí­vico da comunidade. A fábrica de salga e as termas já existiriam, no arrabalde o­rien­tal.

A partir de Cláudio e da anexação da Mauritânia em 42 d. C., o crescimento da ac­ti­vidade marítima e o padrão de monumentalização da Época, após o grande sismo então ocorrido, devem ter acelerado o desenvolvimento das estruturas por­tuá­rias comerciais e a ro­ma­ni­zação das estruturas urbanas pré-existentes.

Fim séc. I d. C. e séc. II
O maior crescimento urbano ter-se-á iniciado no reinado de Domiciano (81 a 96 d. C.), como consequência da concessão do direito latino. Será então que a cidade adquire a sua lei municipal e se procede à criação de to­­da uma cidade nova, traçada em moldes plenamente romanos. Esta de­­veria con­gre­gar a nova comunidade latina, justapondo-a à antiga ci­­dade indígena (pe­re­gri­na, isto é, não ro­ma­na). Será um exemplo de dipolis, ou seja, uma cidade dupla for­­mada pela u­nião de duas comunidades.

A grande influência estrangeira notada em Balsa (nomeadamente nor­te-africana, mas também grega) poderá dever-se, em grande parte, aos “co­lonos” imigrados nesta conjuntura para usufruírem do direito la­tino em Balsa. A lei municipal terá regido a di­visão cadastral da terra, cujos vestígios são nu­me­ro­sos.

A mu­ni­ci­pa­li­zação latina seria assim levada a cabo segundo moldes co­lo­ni­ais, pre­­via­men­te utilizados na Gália e, pos­te­ri­ormente, em África. Os elementos edificados já identificados devem proceder desta É­­poca, com provável excepção do circo Oriental. O fórum pri­mitivo as­­­socia-se à epigrafia cívica conhecida e o novo fórum à única re­fe­rên­­cia epigráfica ao culto imperial. É provável que o pri­meiro tenha con­tinuado como centro cívico da civitas enquanto que o segundo terá servido de sede às manifestações desse culto, igual­men­te associado ao teatro, de modo semelhante ao que parece ter sucedido em Italica com o cham­ado Traianeum.

Datará desta época o sistema de abastecimento urbano de água, com uma represa no local da actual praça da Luz de Ta­vi­ra. Daqui partiria um aqueduto, cujas marcas topográficas indiciam ter-se dividido em três ou cinco ramais, para os fóruns velho e novo, para as termas e para as duas fábricas de salga. A nascente identifica-se uma pla­taforma elevada, terminada num pa­redão semicircular, onde pode ter e­xis­ti­do um templo de modelo africano, como os de Thugga (na Tunísia actual), dedicado a Saturno ou a Caelestis.

O lugar de achamento das lápides de doação do pódio do circo é com­pa­tível com a sua localização sobre a ilha-barreira então existente.

Séc. IV em diante
O abandono da fábrica de salgas da Torre d'Aires (e de uma casa próxima, transformada em concheiro/ vazadouro) na primeira metade do séc. III e as colunas e capitéis achados tombados per­mi­tem estabelecer um paralelo com Baelo, su­ge­rindo que Balsa terá também sofrido com os grandes sismos ocorridos nesta época. É provável que os e­di­fícios monumentais não voltassem a ser re­cons­truí­dos e que o porto tenha sofrido graves destruições, assim co­mo o provável circo litoral.

Só na 2ª metade do séc. III se reactiva a fábrica de sal­gas. Nesta altura é já pouco provável que os curiais (no­táveis) de Balsa ainda residissem no centro urbano. Este deve ter permanecido como centro fiscal e cívico e o hipódromo do Arroio poderá ser deste período.

O mai­or desenvolvimento da indústria de conservas e as­so­ciadas decorrerá nesta fase, multiplicando-se as ce­tá­rias por toda a orla ribeirinha, inclusive sobre antigas áreas urbanizadas e portuárias desactivadas.

No séc. IV Balsa deverá ter acompanhado a ruína ob­ser­­vada em Gades e Baelo, permanecendo pro­va­vel­men­te apenas como sede de circunscrição fiscal do seu am­­plo território. A actividade de navegação de longo cur­­so devia então já concentrar-se em Ossonoba. Durante o Baixo Império, ou posteriormente, formou-se a necrópole das Antas, sobre zonas previamente urbanizadas. Pode corresponder a uma fase de renucleação do habitat, pós-urbana, cujos centros mais prováveis seriam as zonas dos antigos fóruns.

Cidade e subúrbios

Balsa aparece constituída pela justaposição de três partes urbanas, definidas pelos seus sistemas de arruamentos próprios, ar­ti­cu­la­das entre si por eixos transversais que percorrem toda a extensão da cidade.

A parte nascente, constituída pelo planalto da Torre d'Aires e zonas anexas, em que se inclui o porto, tem o seu centro no fórum/acrópole respectivo, junto ao qual se desenha o mais importante nó viário da cidade, origem da vias que se orien­tam segundo os três destinos dominantes (Ossonoba, Pax Iulia e Baesuris) e o vale d'Asseca.

A parte central, que engloba as Antas, apresenta um programa urbanístico tipicamente romano, descrito no mapa anterior.

O cardo, eixo principal meridiano, estrutura todo o espaço urbano prolongando-se para Norte de modo a formar o eixo de si­metria de dois caminhos ou limites, com os quais forma um vértice.

Estes caminhos, de traçado rigoroso que denuncia uma obra topográfica, definem uma co­roa urbana que ultrapassa o pomério (limite urbano, que foi aproximadamente reconstituído), incluindo necrópoles e demais áreas e estruturas periféricas. Formariam um provável limite da cir­cuns­cri­ção suburbana (ager suburbano, por oposição ao ager rústico exterior), servindo talvez já então de via circular periférica que con­tornava a cidade pelo Norte.

A parte oriental é marcada pelo relevo do alto da Xareca, cuja escarpa nascente obriga as vias de acesso a contorná-lo pe­lo Norte, gerando um sistema próprio de orientação do parcelário.

A posição periférica e a malha larga da rede de aces­sos, assim como a raridade de vestígios topográficos de construções indiciam uma zona de menor densidade urbana, área de concentração provável das domus mais abastadas, localizadas em talhões mais extensos.

Os vestígios fósseis do cadastro rural permitem reconstituir o nó de articulação entre a cidade e o campo centuriado, ponto central donde divergem diversas vias e onde pro­va­vel­men­te o aqueduto principal se dividia em várias con­du­tas.


Plano urbano

Marcas de orientação topográficas e arqueológicas permitem delimitar cinco bairros de traçado coerente e re­cons­ti­tuir uma trama de arruamentos e vias de travessia urbana. Uma grande área de arruamentos per­pen­di­cu­la­res é notável pelo rigor do seu traçado topográfico, de características hipodâmicas ainda bem patentes em limites ac­tuais.

O complexo resultante, apesar de zonas que permanecem obscuras, representa um palimpsesto bastante com­pleto da forma urbana, e constitui uma base rica e sugestiva para propostas de delimitação das zonas urbanas e de faseamento da evolução territorial da cidade.

A nota do mapa indica as medidas encontradas para os quarteirões urbanos, que confirmam a sua origem romana.

Barragem e bacia de captação

À esquerda, detalhe da reconstituição da zona da barragem e represa, de pequenas dimensões, que se destinaria sobretudo a reserva e decantação.

O sítio da barragem foi identificado por uma descontinuidade altimétrica local, sob a actual EN 125, e pela forma característica, que quebra a regularidade da malha do cadastro romano.

Trata-se, além disso, do ponto onde a extrapolação de uma vala fóssil de aqueduto, detectada topograficamente, intersecta a ribeira.

O subsolo da actual praça da Luz revelou ser composto de lamas e aluviões compactados, compatíveis com um antigo fundo alagado. Mostra-se o local da primitiva nascente do Rocio, junto ao entroncamento da via romana e à travessia da ribeira, lugar provável de fontanário ou ninfeu, antepassado remoto da igreja da Luz.

À direita mostra-se o conjunto da bacia de captação, com destaque para a grande charca natural, com cerca de 200 ha, existente até meados do Séc. XIX sobre planissolos impermeáveis. Até ter sido drenada foi responsável pela existência de malária epidémica em toda a zona da Luz de Tavira.

Abastecimento de água

Diversos indícios fundamentam um modelo de abastecimento de água corrente à área urbana.

Uma grande bacia natural a Norte, numa zona de solos impermeáveis, captava água, ligada a uma pequena albufeira de decantação represada por uma barragem, situadas no lugar da actual praça da Luz de Tavira.

A água era então transportada por um aqueduto, que se dividia em vários ramais (aparentemente de 3 a 5). Estes abasteciam directamente os principais pontos de consumo (termas, fábricas de salga, porto, etc.), sendo as restantes zonas abastecidas a partir de centros de depósito e distribuição, situados no topo das encostas.

Nesta fase final da rede, a água circulava em canos cerâmicos e de chumbo.

A parte hipodâmica da cidade (com arruamentos perpendiculares entre si) possuía uma rede de esgotos subterrânea, que acompanhava provavelmente o traçado das ruas.

Existiam ainda duas nascentes importantes, podendo ter havido outras. Uma delas, no flanco da acrópole da Torre d'Aires, destinar-se-ia à aguada portuária, sendo provavelmente uma das principais fontes de abastecimento do povoado primitivo, antes da construção do sistema canalizado.

Reconstituição da orla costeira

Indicam-se os sítios aproximados do achamento de muros submersos c e das lápides do circo b. Mostra-se a localização do porto exterior PX e interior PI, separados pe­lo molhe artificial.

A ilha-barreira é reconstituída conjecturalmente sobre os ban­cos de sapal que dividem os dois canais da ria. Era a sua localização em 1634, quando Pe­dro Texeira desenhou a barra de Tavira, desaparecendo muito pro­va­vel­men­te com o tsunami de 1755 para se reconstituir posteriormente na po­si­ção actual, mais dis­tan­te de terra.

Mostra-se a reconstituição da linha de costa antiga e das áreas antigamente alagadas ou submersas.A posição da barra antiga é conjectural, não devendo estar porém mui­to longe da posição indicada, justificando-se assim a construção do referido molhe.

Wednesday, September 13, 2006

Restituições Topográficas

A combinação de marcas fotogramétricas, da forma do terreno e do tipo de espólios arqueológicos levaram à identificação de 16 estruturas urbanas, na sua maioria desconhecidas até agora. Algumas permitem contextualizar no espaço urbano sítios arqueológicos que permaneciam funcionalmente indefinidos.

- Destaca-se a identificação de dois fóruns, definidos pelas suas esplanadas T9 e T10,
- contendo uma delas o teatro T5.
- Identifica-se também o circo T8,
- uma base de importante edifício T11 (talvez um templo),
- um molhe portuário T6,
- o porto interior T7,
- parte de uma via decúmana T12,
- um bairro T13,
- uma villa suburbana T4
- prováveis monumentos de águas T14,
- praça T3,
- complexo circular T2
- e anfiteatro T1.
- T15 e T16 são necrópoles também localizadas arqueologicamente, cujos limites de exploração foi possível definir mais precisamente.

Tuesday, September 12, 2006

Morfologia do terreno e da orla costeira


O estudo do terreno permitiu reconstituir transformações artificiais atribuídas à Época Romana e propor hipóteses fundamentadas sobre a linha de costa antiga e a localização do porto e da barra.

A caracterização das marcas mais antigas foi feita após identificação e eliminação das mais recentes, provocadas por trabalhos agrícolas e pela acção da erosão e de aluimentos das falésias.

Marcas fósseis mostram plataformas semi-artificiais, taludes, muros de suporte, fossos e condutas de água antigas. Fornecem igualmente elementos rigorosos sobre a regressão do nível do mar (que terá baixado um pouco menos de 1 m desde então) e sobre a colmatação de antigos esteiros marinhos (que alcançavam zonas hoje com cotas de 4-5 m). Estes valores são compatíveis com outros recolhidos em vários pontos do Algarve e da costa da província de Huelva.

A linha de costa foi restituída localmente a partir de uma extensa linha de taludes com sinais de acção marinha. Ela foi calibrada por vestígios remanescentes de cetárias, situadas abaixo do nível do cais, e pelo nível do mosaico na base da escarpa da Xareca. Este pertenceria provavelmente a um cais porticado, junto à escadaria que o ligava à plataforma superior.

Sunday, September 10, 2006

Marcas romanas: fotogrametria e cadastro


Uma série de fotografias aéreas, tiradas entre 1958 e 2000, permite identificar numerosos e importantes vestígios da estrutura urbana, nomeadamente marcas de alicerces, caminhos fósseis e formas geométricas de complexos desaparecidos. Os fotogramas mais antigos, com mais vestígios mas menor resolução, são parcialmente compensados pelos mais recentes, posteriores às grandes destruições ocorridas no período de 1978 a 1982 mas bastante mais detalhados. Os limites cadastrais actuais e dois modelos digitais do terreno complementam os recursos utilizados na reconstituição urbana, que recorreu também a fontes corográficas, mapas e observações directas do terreno.

Friday, September 08, 2006

CARTA ARQUEOLÓGICA

Estão identificados 61 sítios e estruturas arqueológicas romanas na zona urbana de Balsa e nos seus arrabaldes pró­xi­mos. Muitos deles são fundamentais para a caracterização da cidade e dos subúrbios rurais, sobretudo os que fo­ram escavados e desenhados antes da sua destruição.

Dois destes sítios foram descobertos recentemente e ainda não estão representados nos mapas: uma sepuultura na extremidada oriental da grande necrópole do Arroio e parte de uma fábrica de conservas de peixe, entre a Ribeira do Arroio e as Pedras d'El-Rei.

O 1º mapa localiza todos os sítios conhecidos, sobrepondo-os aos limites reconstituídos da cidade romana.

O 2º mapa sintetiza os principais tipos de achados e características dos sítios localizados na área mais central.

Apenas alguns dos sítios correspondem a estruturas implantadas topograficamente. Umas possuem plantas ou dia­gra­mas de levantamento. Outras puderam ser desenhadas ou apenas demarcadas a partir da fotogrametria, abor­da­da mais adiante. Muitos correspondem apenas a áreas de dispersão de materiais, sem forma definida. Estes ga­nham por vezes contexto topográfico quando associados a marcas fotogramétricas, que, por sua vez, adquirem fun­da­mento arqueológico.

Alguns sítios muito importantes são conhecidos quase exclusivamente por notícias do séc. XIX, fiáveis e ge­ral­men­te de grande riqueza interpretativa, mas sem utilidade topográfica.

A raridade de sítios na periferia rural deve-se certamente a esta zona nunca ter sido prospectada, sobretudo antes das des­truições provocadas pela agricultura intensiva na Campina da Luz (nomeadamente desde 1970).

Thursday, September 07, 2006

Prospecções arqueológicas de 1977 e 1989

A prospecção de 1977, apesar do seu carácter sumário, constitui um marco fundamental do conhecimento arqueológico de Balsa, correspondendo à primeira avaliação científica da localização e do conteúdo dos vestígios detectáveis à superfície. A prospecção produziu um relatório e uma planta de localização, utilizados na construção deste mapa.

A área voltou a ser prospectada em 1989, pelo PNRF, numa época já posterior às grandes destruições efectuadas pelo proprietário da quinta da Torre d'Aires. Apenas uma parte dos sítios identificados em 1977 pôde ser reavaliado, porém com uma precisão de localização e um detalhe de registo geralmente muito superiores. Neste fase efectuaram-se importantes descobertas em novos sítios.

O Conhecimento do urbanismo de Balsa

Balsa pertence a um tipo de cidade "arrasada", que está longe de ser invulgar.

A acu­mu­la­ção de vestígios e indícios é notável na sua área arqueológica, apesar das des­truições re­cen­tes, da ausência de intervenções ar­queológicas sis­temáticas e da ine­xis­tência de mo­numentos ur­banos imediatamente reco­nhe­cí­veis.

Em Balsa, tal como noutros locais semelhantes, uma abordagem apropriada permite um grande re­tor­no de conhecimentos, a partir de um trabalho sistemático de análise geo-topográfica e de uma pers­­pec­tiva his­tó­ri­ca que integre toda a in­for­ma­ção ter­ri­torial, antiga e moderna, imprecisa ou ri­go­rosa, so­bre­vi­ven­te ou já desaparecida.

Pode-se assim afirmar hoje, que o desconhecimento ge­neralizado do urbanismo de Balsa, mesmo entre es­pecialistas, decorre fundamentalmente de nunca ter sido con­ve­nien­­te­mente estudado.

O tema de Balsa tornou-se especialmente re­le­van­­­te nos últimos anos, por se ter transformado tam­­­bém nu­ma questão imobiliária. Grande parte da antiga ci­dade foi já destruída por trabalhos agrí­­­colas e ur­banizações, e o que resta está em pe­­­­ri­go de ter o mes­mo destino devido aos apetites que a sua si­tua­ção pri­vilegiada desperta, embora se encontre em zona arqueológica classificada e no Parque Natural da Ria Formosa.

O manancial de informação apresentado poderá as­sim contrapor-se à ignorância e à cumplicidade dos in­teresses que prefeririam que Balsa per­ma­ne­­­ces­se perdida e des­co­nhe­cida.

Neste sentido, os traços e achados agora di­vul­ga­dos des­montam lapi­dar­men­te as rei­te­ra­das ten­ta­ti­vas de “des­va­lo­ri­zação”, “con­­­­fu­são” e “re­la­ti­vi­za­­ção” do sí­­tio ar­queo­­ló­gi­co de Balsa, tanto mais que, ape­sar das des­­tru­i­ções, per­ma­ne­cem ainda im­­por­tan­tes zo­nas por ex­plorar, vir­tual­mente in­tac­tas.


A base que fundamenta o nosso trabalho con­sis­te, es­sen­cial­mente, num estudo de geo­grafia his­tó­ri­ca que de­corre irregularmente, há já al­guns anos, so­bre a to­­pografia urbana e o território da an­ti­ga civ­itas bal­se­nse.

Pretende-se elucidar aspectos téc­ni­cos per­­­ti­nen­tes do urbanismo balsense e acom­pa­nha-se de um con­jun­to de ma­pas e res­­pectivos resumos ex­traí­dos do re­­fe­ri­do es­tu­do. Eles ilustram os ele­men­tos mais im­por­­tan­tes da restituição to­po­grá­fi­ca da forma urbana e da sua interpretação.

Os resultados desta nossa reconstituição de Bal­sa são con­­tra­di­tó­rios:

Por um lado muito limitados, relativamente ao po­tencial e às dimensões do lugar. Não se po­dem comparar com os resultados alcançados em lu­gares mais civilizados, onde as des­trui­ções fo­ram impedidas e os sítios das antigas ci­dades sub­­metidos a explorações ar­queo­ló­gi­cas ri­go­ro­sas e mais ou menos sistemáticas.

Em Balsa, há grandes áreas que permanecem in­de­terminadas ou obscuras e numerosos ves­tí­gios têm tido uma interpretação impossível ou to­tal­men­te conjectural. Falta rigor e de­ta­lhe e o re­sul­tado é frequentemente uma visão es­fumada e distante de uma planta urbana cu­jos pormenores nos escapam.

Por outro lado, os resultados são ex­tra­or­di­na­ria­men­te informativos, permitindo identificar nu­me­rosas estruturas e reconstituir um quadro con­sis­tente da forma urbana.

Balsa ganhou conteúdo e os numerosos ves­tí­gios e achados pontuais e dispersos são já en­qua­­drá­veis na ordem urbanística prevalente, que se tor­nou compreensível, permitindo a ela­­­­bo­ra­ção de uma primeira planta de síntese da forma urbana.

Os resultados permitem ainda desenvolver hi­pó­te­ses de faseamento urbano, compatíveis com diversas ou­tras ci­da­des romanas e que articulam a his­tó­ria política e geo­política conhecidas com os ele­mentos ter­ri­to­riais identificados ou pro­pos­tos.

Sem ousar esperar milagres arqueológicos, dado o re­gisto de inércia e destruição dos últimos cem anos, será talvez, porém possível que o futuro nos re­­­vele ainda novos mananciais de dados positivos so­­­bre Bal­sa.

Com esses novos dados e com o ama­du­re­ci­men­to das téc­­ni­­­cas analíticas e do corpo teó­ri­co in­ter­pre­­ta­ti­vo, o co­­nhecimento de Balsa po­de­rá vir a ter ain­da de­­sen­vol­­vimentos ines­pe­ra­dos.

LOCALIZAÇÃO

Balsa foi uma importante cidade romana, que existiu na freguesia de Luz (concelho de Tavira, distrito de Faro), nos ter­re­nos litorais ho­­je designados por Torre d’Ai­res, Antas e Ar­roio, tendo Pedras d’El-Rei, Luz, Rato e Pi­nhei­ro como su­­búr­bios.

É citada nas listas de cidades do Im­­pério Ro­ma­no (por Pompónio Mela e Plí­nio-o-Velho, no séc. I d. C. e por Ptolomeu, no séc. II), posteriormente co­mo eta­pa de um dos Itinerários de An­to­ni­no (sé­­c. III) e, já após o fim do Império do Ocidente, na Cos­mo­gra­fia do Anónimo de Ravena (séc. VII).

A sua história urbana inicia-se no séc. I a. C. e ter­­­­­­mi­na no séc. V ou VI da nossa era. Teve o seu apo­­geu urbanístico no sé­cu­lo II, chegando a ocu­par uma área de cerca de 45 hectares (ha), ex­clu­in­do su­búr­­bios e ne­cró­po­les.

Wednesday, September 06, 2006

PORQUÊ UM BLOG SOBRE BALSA?

O caso da cidade de Balsa constitui um escândalo que envergonha toda a gente, sobretudo quem tem a vantagem e a responsabilidade de saber mais sobre o local do que a esmagadora maioria.
De facto, só nos meios mais miseráveis e retrógrados do mundo mediterrâneo é ainda possível a destruição contemporânea de uma grande cidade romana bem conservada e situada numa importante zona turística.
Assistiu-se a uma total demissão da comunidade científica durante cerca de um século, que culminou com a escandalosa e pouco esclarecida desistência do Estado da compra da Quinta da Torre de Aires em 1976, deixando que um cultivador boçal arrasasse em três anos o que milénio e meio não tinha conseguido.

O artigo de António Henriques A cidade romana perdida publicado no jornal Expresso (nº 1715 de 10 de Setembro de 2005) (sobretudo as caixas "A grande comédia da burocracia cultural", "Sem controlo e sem pressa" e "A culpa é dos proprietários") não deixa margens para dúvidas sobra a extraordinária irresponsabilidade e incompetência dos serviços oficiais encarregados da protecção e investigação do local de Balsa.
Os apetites imobiliários crescentes depressa compreenderam a vantagem das hesitações oficiais e as extraordinárias benesses oferecidas pelo positivismo relativista, expediente teórico muito conveniente para ajustar a prática de certos arqueólogos aos interesses privados e autárquicos.
De facto, tudo parece apontar para um cenário a médio prazo onde, com grande pompa e circunstância, deixarão alguém, escolhido a dedo ou cavador acéfalo, escavar algum canteiro que não prejudique e notabilize os empreendimentos futuros, que serão provavelmente chamados “marina” ou “colinas de Balsa”, devidamente golfistas e "estruturantes", com um capitel nos prospectos!
Uma parte importante dos desígnios sobre o terreno de Balsa (pois é disso que se trata) baseia-se na ocultação de informação e na manutenção de um estado de ignorância e dúvida permanentes sobre onde e o que foi a velha cidade. Este blog pretende contribuir modestamente contra esta situação, divulgando conhecimentos e notícias diversas sobre Balsa, tendo como base os consideráveis recursos de conhecimento acumulados pelo Campo Arqueológico de Tavira durante os últimos anos.